O Governo angolano e a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciaram um projecto comum para definir uma Estratégia Nacional de Saúde Mental, problema que afectou em Angola, no ano passado, 31.619 pessoas. É importante. Mas, convenhamos, mais importante num país que tem, por exemplo, dos mais altos índices de mortalidade infantil, era uma estratégia nacional para a Saúde no seu todo.
Em comunicado, a OMS refere que traçar uma estratégia sobre esta matéria visa responder adequadamente a estes desafios no país. Nesse sentido, equipas do Ministério da Saúde e da OMS estão hoje reunidas, em Luanda, num encontro de consenso e validação da Estratégia de Saúde Mental, Álcool, Tabaco e outras Drogas.
De acordo com o documento, a reunião é uma iniciativa essencial, que permitirá a definição e aprovação da Estratégia de Saúde Mental, ferramenta crucial para a criação de capacidades de resposta aos principais desafios e prioridades de saúde mental, designadamente a prevenção, tratamento em tempo real, reabilitação e reinserção, baseados em evidências científicas actualizadas.
Para o representante da OMS em Angola, Hernando Agudelo, citado no documento, com a definição de uma estratégia vão estar criadas as linhas orientadoras para a promoção do bem-estar das pessoas com transtornos mentais, tratamento, acesso a programas educativos que se adaptem às suas necessidades e ajuda para encontrar emprego e habitação, que lhes permita viver e ser activos nas suas comunidades.
Os dados do Ministério da Saúde de 2018 relativamente à saúde mental no país referem que estiveram na base desses casos a depressão, transtorno afectivo bipolar, esquizofrenia, demência, deficiência intelectual e transtornos de desenvolvimento.
Também a coordenadora nacional do Programa de Saúde Mental e Abusos de Substâncias, Massoxi Vigário, indica que nos últimos anos os casos de violência, homicídios e suicídios “têm crescido de modo assustador” no país.
“Precisamos de criar condições para melhor prevenir e tratar os transtornos mentais, como reduzir a mortalidade e morbilidade das pessoas com problemas mentais. Por conseguinte, uma estratégia de saúde mental abrangente e envolvente é fundamental para a saúde e bem-estar das nossas populações”, disse a responsável, igualmente citada no comunicado.
No passado dia 8 de Fevereiro, os médicos angolanos anunciaram a realização de uma marcha de protesto para exigir às autoridades respostas “ao caderno reivindicativo e maior celeridade” no concurso público de ingresso de novos profissionais “repleto de burocracias”.
“A s motivações da marcha estão directamente relacionados com o facto de o Ministério da Saúde ter, unilateralmente, desistido das negociações, pelo que se deixou de discutir o caderno reivindicativo”, disse na altura o presidente do Sindicato dos Médicos Angolanos, Armando Manuel.
A melhoria das condições laborais, o aumento salarial ou o pagamento de subsídios de risco são algumas das reivindicações que constam no caderno reivindicativo entregue ao Ministério da Saúde em Agosto de 2018.
Segundo o sindicalista, o “burocrático concurso público” de ingresso de novos médicos para o sector da Saúde é outra das motivações da marcha de protesto, porque, observou, “o país tem exiguidade desses profissionais e é necessário que as autoridades agilizem o processo”. “E é preciso lembrar que o país tem muitos médicos desempregados”, apontou.
Ainda segundo Adriano Manuel, o Ministério da Saúde tem disponíveis para o concurso público, iniciado em 2018, cerca de 1.500 vagas, mas apenas 1.300 fizeram o concurso público.
“O que quer dizer que não se justifica esses profissionais não entrarem. Não se pode exigir muito, quando ainda não estiverem em pleno exercício de suas funções. Pensamos que o exame que foi feito não avalia as competências médicas porque 50% das questões foram de cultura geral”, concluiu.
Em Novembro do ano passado os médicos fizeram uma greve de três dias, para exigir melhorias salariais e nas condições de trabalho, com um nível de adesão “muito alto”, segundo disse na altura Adriano Manuel.
Num comunicado então divulgado à imprensa, o Ministério da Saúde manifestou total disponibilidade para negociar, recordando que foi criada uma comissão coordenada pelo secretário de Estado para a área hospitalar, que conversou com o Sindicato dos Médicos.
“A ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, demora quase quatro meses para responder a um caderno reivindicativo, manda-nos a resposta 19 horas antes, e quer que nós respondamos na hora”, criticou Adriano Manuel.
O presidente do Sindicato Nacional de Médicos de Angola disse ainda que a contraproposta apresentada “não responde absolutamente nada” às exigências apresentadas, justificando assim a decisão de manter a greve.
Médicos precisam-se… há muito
Angola conta actualmente com cerca de 6.400 médicos para uma população de perto de 30 milhões de habitantes, número que a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, considera insuficiente, defendendo por isso uma maior aposta na formação de quadros.
Sílvia Lutucuta recordou a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que para cada mil habitantes exista um médico. Se assim fosse, Angola deveria ter 30.000 médicos ao serviço, quando no quadro actual existe apenas um para cerca de 4.400 habitantes.
“Ainda só temos 6.000, isso significa que temos que continuar a formar, mas formar com qualidade e diferenciar os médicos nas várias áreas de saber”, disse a ministra, em Janeiro de 2018.
Questionada sobre o facto de em Angola enfermeiros exercerem o papel de médicos, para colmatar essa deficiência, Sílvia Lutucuta defendeu que o problema precisa de ser visto noutra vertente, ou seja, é preciso mais trabalho para que diminuam as enchentes nas unidades centrais.
“Nós precisamos de trabalhar mais nos nossos cuidados primários de saúde, para evitarmos as enchentes nas unidades centrais. Claro que os enfermeiros também têm o seu papel dentro dos padrões existentes, de acordo com a lei, e nós temos que valorizar o seu trabalho”, referiu.
A titular da pasta da Saúde disse que os médicos são elementos fundamentais no sistema de Saúde e os desafios actuais que o sector enfrenta têm que ser tratados de forma integrada, através da partilha de conhecimentos, defendendo ainda a prestação de cuidados de saúde de forma mais humanizada, não só aos utentes, mas também aos familiares.
Segundo a ministra, é necessário que se alie a prática da medicina à investigação, contudo são necessários mais recursos para a sua realização.
26 de Janeiro de 2015
O bastonário da Ordem dos Médicos de Angola afirmou no dia 26 de Janeiro de… 2015 que o número de médicos a trabalhar no país é ainda insuficiente, numa relação de um clínico por cada oito mil habitantes. Carlos Alberto Pinto de Sousa falava então à imprensa à margem do X Congresso Internacional dos Médicos.
Segundo o clínico, a insuficiência de médicos deveria ficar colmatada nos próximos anos com a execução do Plano de Desenvolvimento de Recursos Humanos. Foi em 2015.
“Estou em crer que nos próximos sete a oito anos, vamos cobrir o país inteiro com um número aceitável de médicos. Actualmente, a relação é de um médico por cada oito mil habitantes e estamos em crer que nos próximos cinco anos atingiremos um médico por cada três a quatro mil”, referiu o bastonário.
De acordo com o Carlos Alberto Pinto de Sousa, a cooperação com países estrangeiros era boa, salientando que durante aquele congresso (o X) seria realizado um encontro com os bastonários da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para o reforço das relações.
“Queremos reforçar a cooperação no domínio da formação, fundamentalmente no domínio dos estágios e especializações médicas”, apontou Carlos Alberto Pinto de Sousa.
O bastonário defendeu, durante a sua intervenção a necessidade de maior humanização da assistência médica: “Poderá parecer estranho o que defendemos, pois que poderia retirar-se erradamente a ideia de que os médicos procediam anteriormente sem humanização. Não confundamos. O que pretendemos significar é uma preocupação constante que anima a nossa conduta”.
As promessas dos governos
O Governo aprovou legislação (e isso é coisa que faz sem grandes problemas) para enquadrar médicos no Serviço Nacional de Saúde, num processo “célere” e “menos burocrático” face à “necessidade de aumentar a cobertura médica urgente no país” e a assistência sanitária às comunidades.
Esta informação consta de um decreto presidencial que entrou em vigor no final de Abril de… 2016, e que lembra o investimento na formação e capacitação de médicos que já estão “disponíveis para trabalhar”, numa altura em que só a capital angolana estava a braços com epidemias de febre-amarela e malária, com mais de 400.000 pessoas afectadas.
O mesmo decreto definia que o ingresso na categoria de interno “faz-se mediante concurso documental” para licenciados em medicina, à parte das normas sobre a entrada no funcionalismo público.
O Governo anunciara em Abril desse ano (2016) que iria recrutar 2.000 médicos e paramédicos, angolanos, recentemente formados no país e no estrangeiro, para reforçar o combate às epidemias, que deixaram os hospitais de Luanda sobrelotados.
“A renovação do contrato individual de trabalho fica condicionada ao bom desempenho profissional e comportamental”, lê-se no mesmo decreto, assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.
No início de Abril de 2016 foi noticiado que o Estado iria avançar com a admissão excepcional de novos funcionários públicos para a saúde, educação e ensino superior em 2016, segundo uma autorização presidencial.
A informação consta de um decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, no qual era “aprovada a abertura de crédito adicional” ao Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2016, no montante de 31.445.389.464 kwanzas (166 milhões de euros), “para pagamento de despesas relacionadas com novas admissões”.
O Governo previa gastar o equivalente a mais de 10% da riqueza produzida no país com o pagamento de vencimentos da Função Pública em 2016, mas as admissões, pelo segundo ano consecutivo, voltavam a ficar congeladas. Para 2016 estava prevista uma verba de 1,497 biliões de kwanzas (cerca de 7,9 mil milhões de euros) com o pagamento de vencimentos e contribuições sociais da Função Pública.
O médico angolano Maurílio Luyela considerava em 2016 que o colapso do Serviço Nacional de Saúde em Angola é o resultado da má gestão dos recursos financeiros e humanos por parte do Ministério da Saúde.
O especialista em saúde pública disse à VOA que o sector debatia-se com a falta de pessoal qualificado porque, por alegada falta de verbas, não abriu qualquer concurso público para a admissão de especialistas angolanos que se formam nas faculdades do país.
Maurílio Luyele acusava os gestores do Ministério da Saúde de acharem mais importante comprar carros de luxo para directores em detrimento de equipamentos hospitalares.
“É mais fácil comprar carros de luxo para directores ao invés de materiais hospitalares e não há técnicos suficientes para atender a demanda, mas temos médicos angolanos que saem das faculdades que não são admitidos na função pública porque não há como pagá-los”, acusou.
Folha 8 com Lusa